junho 30, 2010

Fraude à Lei no Direito Internacional Privado

A fraude à lei consiste em defraudar o imperativo de uma norma material de certo ordenamento jurídico através da utilização como instrumento de uma norma de conflitos, ou seja, fraude à lei em Direito Internacional Privado, não é fraude de uma norma, a norma é apenas um mecanismo de fraude.
O indivíduo utiliza-se de um conflito de normas de deferentes países para encontrar uma brecha que possibilite a fraude. Ele ‘’cria’’ um elemento favorável que possa se moldar a legislação em questão, como uma analogia.
Sobre a pretensão ilícita do indivíduo, tem-se o entendimento do mestre de Buenos Aires, Werner Goldschmidt, “a fraude à lei consiste em um duplo abuso de direito; a pessoa fraudadora abusa de um direito para burlar a finalidade de outra norma jurídica”.

Em termos mais simples, a fraude à lei consiste em abusar de uma faculdade para fugir da lei originariamente competente – uma norma protegida pela ordem pública no plano interno.

A fraude à lei teria, assim, dois componentes que se somam, abuso de direito e à ordem pública: o abuso de algum direito para se por sob a proteção de uma lei a fim de fugir à ordem pública da lei originariamente competente.
Já na definição do Prof. Manuel de Andrade, a fraude à lei é ‘’ procedimento pelo qual o particular utiliza um tipo legal em vez de outro a fim de provocar a consequência jurídica pretendida; a pessoa manipula um tipo legal com vista a obter uma consequência jurídica.’’
Para um melhor entendimento, devemos compreender que; a ordem pública produz efeitos em três níveis diferentes: no plano interno, no plano internacional e no plano dos direitos já adquiridos no exterior. No plano interno o é vedado que as partes pactuem contra as normas aceitas como integrantes da ordem pública e no plano internacional a ordem pública impede a aplicação de norma de direito estrangeiro que seja gravemente chocante ao sistema jurídico do foro; nem tudo que às partes é vedado pactuar será rejeitado se contido em regra de direito estrangeiro.
Por sua vez no terceiro, a ordem pública impede o reconhecimento de direitos adquiridos no exterior, o que só pode ocorrer quando estes são gravissimamente chocantes aos princípios jurídicos ou morais do foro. (poligamia; casamento no mesmo sexo, naturalização, etc).
Quanto a fraude à lei ocorrida na obtenção de naturalização tem sido objeto de uma sucessão de regras, inclusive em sede constitucional. Atualmente, ante o silêncio da Constituição de 1988, a matéria é regida pela Lei 6.815/80, atualizada pela Lei 6.964/81 em seu artigo 112, parágrafos 2° e 3° que dispõem:
"§ 2°- Verificada a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos artigos 113 e 114 desta lei, será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal cabível pela infração cometida.
§ 3° - A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior processar-se-á administrativamente, no Ministério da Justiça, de ofício ou mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado, para defesa, o prazo de quinze dias, contados da notificação".

A lei 818 de 1949 determinara que a competência para a declaração da nulidade da naturalização seria do Poder Judiciário, critério substituído pelo Decreto-lei 941 de 1969 que transferiu a competência para o Ministério da Justiça, mantida esta orientação na legislação atualmente em vigor. O Judiciário é mais experiente e está mais bem aparelhado para processar e julgar se a naturalização foi concedida em fraude à lei, recomendável, pois, que se altere o disposto na atual legislação, retornando ao sistema antigo.

Como se pode ver, é possível a existência de fraude à lei em diversas matérias e nos mais variados assuntos, basta que determinado indivíduo com a má fé de se aproveitar de certo conflito de normas ou brechas na legislação pratique conduta de natureza fraudulenta, que por não ser caracterizada criminosa acaba servindo como escape ao ordenamento.

Ocorre que a conduta assegurada por lei estrangeira mas que não é aceita no ordenamento nacional, seria contra legem, e o individuo ou as partes não podem praticar atos que visem modificar a conexão local e portanto as mencionadas seriam ineficazes, frente ao princípio da ordem pública.

Entretanto, não se deve pensar em termos da ordem pública em si, no campo do Direito Internacional (pois isto significaria duplicação de motivos para rejeitar a aplicação de determinada lei estrangeira), mas, da ordem pública em termos de uma aplicação básica, no campo do direito interno.

Como exemplo, quando no campo do direito interno a vontade das partes não puder rebater a aplicação de determinada norma jurídica, também não poderão elas afastá-la com base em mudança artificial e ardilosa, do estatuto pessoal, por exemplo mediante mudança de nacionalidade ou troca de domicílio, porque nesse caso seria um ato ineficaz e afastado através do principio da ordem pública.

Sobre o tema em pauta cabe destacar o seguinte:
- É o próprio legislador que indica às partes o caminho pelo qual pode escapar;
- Muitas vezes é difícil determinar os casos de fraude à lei;
- Qualquer norma jurídica que venha estipular o conceito de fraude à lei vem trazer muita segurança e incerteza jurídica.
Na doutrina têm-se elementos objetivos e subjetivos, quais sejam;
Elemento objetivo: consubstancia-se na utilização de uma regra jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite. Para a consumação do elemento objetivo as partes terão que utilizar ou uma fraude relevante ou uma conexão falhada.
Elemento subjetivo: resulta da intenção das partes, é um elemento psicológico e resume-se à mera intencionalidade que as partes demonstravam.
Para que se caracterize à fraude à lei, fazem-se necessários os seguintes pressupostos, que segundo Ferrer Correia, são :
a) O seu objeto é constituído pela norma de conflitos (ou parte da norma) que manda aplicar o direito material a que o fraudante pretende evadir-se, contanto que seja afetado o fim da norma material a cuja aplicação o fraudante quis escapar;
b) Utilização de uma regra jurídica, como instrumento na fraude, a fim de assegurar o resultado que a norma fraudada não permite;
c) Emprego de meios eficazes para a consecução do fim visado pelas partes;
d) Intenção fraudatória.
Importante destacar que no Direito Internacional Privado há fraude à lei segundo a generalidade da doutrina, mas também entende-se que o âmbito de fraude à lei e a ordem pública por vezes confundem-se.
Porque embora as disposições legais defraudadas não sejam necessariamente de ordem pública, elas vêm assumir tal caráter pelo efeito fraudulento que provocam. Estas situações violam a ordem pública interna porque violam as normas jurídicas.
Sobre as consequências, sabe-se que os efeitos dos atos praticados no exterior em fraude à lei de determinada jurisdição serão apenas impuníveis na mesma, eis que não tem ela competência para se pronunciar sobre a validade do que ocorrer em outra jurisdição.




junho 15, 2010

Relação entre a Legislação Penal e o Meio Ambiente

Muito embora existam diversas leis, decretos e resoluções para tutelar os delitos ecológicos, como por exemplo, A Lei da Caça, Lei dos Crimes Ambientais, Código Florestal, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei de Exploração Mineral, entre outras, ainda assim o assunto encontra amparo no Código Penal, pois os dispositivos correlacionados ao meio ambiente são de grande valia, tendo em vista que funcionam como um tripé, dando maior suporte aos dispositivos legais já existentes, até mesmo porque, estes vieram antes da principal Lei Ambiental.
Os principais dispositivos do CP relacionados à tutela do Meio Ambiente são os Artigos 161,§1º I, 163, 164, 166,250, 252, 254, 270, 271, os quais serão comentados e correlacionados à seguir.
Antes de iniciarmos o estudo de cada dispositivo individualmente, é importante mencionar que os tipos penais ambientais são de regra dolosos, sendo poucas as hipóteses na forma culposa que, segundo COSTA JR. , implícita está à vontade delituosa na prática de determinadas condutas vedadas, quando expressamente prevista na configuração do tipo, a forma culposa dos crimes ambientais deve possuir os seguintes requisitos: a omissão do cuidado objetivamente exigível e a previsibilidade do resultado, que deverão culminar na aplicação da pena, juntamente com os quesitos negligência, imprudência e imperícia (art. 18, CP).
Importante também salientar que os delitos penais são, em sua maioria, crimes de perigo, embora existam alguns de dano, dado à dificuldade de se estabelecer um nexo causal entre a conduta.
O primeiro dispositivo corelato é o inc. I do § 1º do art. 161, qual dispõe sobre a usurpação de águas.
O crime deste dispositivo é caracterizado pelo desvio ou mudança do curso de águas, ou pela repressão para acúmulo delas. A objetividade material é conter águas sobre as quais o indivíduo não possui direitos, estas que podem ser públicas ou particulares, correntes ou estagnadas, perenes ou temporais, nascentes ou pluviais e até mesmo subterrâneas.
Independente se através do desvio ou represamento o agente tiver algum proveito, o crime estará caracterizado e pode resultar em danos permanentes, e, portanto para a doutrina o tipo subjetivo em regra é o dolo específico. É admitida a tentativa.
A tipificação objetiva estabelece que as ações sejam desviar ou represar, portanto à mera extração não caracteriza esse delito, mas sim o crime de furto. Quanto à classificação doutrinaria, tem-se que é crime comum quanto ao sujeito, doloso, comissivo, formal instantâneo ou permanente.
Os delitos ambientais sempre acarretam algum tipo de dano, e sobre este temos o disposto no art. 163 do CP, que pode ainda ser qualificado.
Na sequencia, está prevista no art. 164 do CP à introdução ou abandono de animais em propriedade alheia, sem o consentimento de quem de direito, desde que resulte prejuízo.
Em relação à conduta do agente, essa será comissiva quando, por iniciativa própria, introduzir o animal em propriedade alheia, levando-o para dentro do imóvel ou fazendo-o entrar, e será omissiva quando o animal entrar sozinho na propriedade e não for retirado pelo seu responsável naquele momento. Não há modalidade culposa.
Se o agente introduzir ou abandonar o animal em propriedade alheia com o “animus” de causar prejuízos no imóvel, ou seja, com a intenção de causar prejuízo, responderá pelo crime de dano, previsto no artigo previsto no artigo 163 do CP.
Dentre os dispositivos em estudo, sem dúvidas, o art. 166 é um dos mais importantes, haja vista, que representa a preocupação em preservar o aspecto natural dos locais protegidos por lei, como exemplo as reservas ecológicas e indígenas. Esse dispositivo visa também evitar o desmatamento e a modificação do meio ambiente e punir o agente que pratique o crime.
São condutas típicas do dispositivo; destruir, inutilizar ou deteriorar, se enquadra no disposto como crime ambiental o ato conspurcar, ou seja, deixar sujo, tornar impuro, fazer perder as propriedades, virtudes ou renome, como exemplo tem-se o ato de pichar e grafitar, que estão dispostos também no art. 65 da Lei 9.605/98.
No tocante aos dispositivos pertinentes aos crimes de perigo comum, temos inicio no art. 250, qual estabelece: ‘’Causar incêndio, expondo à perigo a vida, a integridade física ou patrimônio de outrem’’, e na alínea h do dispositivo quando o incêndio é em ‘’lavoura, pastagem, mata ou floresta.’’ O incêndio pode ainda ser culposo, e podemos fazer uma analogia entre o dispositivo acima citado e o que estabelece o art. 251 do CP e seus gravames, referentes à explosão.
Tomando sequencia, ainda sobre os crimes contra a incolumidade publica, estabelece o art. 254 e 255 sobre a inundação, que pode ser relacionado aos crimes ambientais, haja vista, que trata-se de desastres que tem como meio de propagação vias naturais, ou seja a água, mesmo que a inundação seja estagnada através de recursos humanos.
No capítulo II do título VIII, ainda em relação aos dispositivos pertinentes ao Meio Ambiente, temos os artigos 270 e 271 que dispõe sobre o envenenamento de água potável, substância alimentícia ou medicinal, o que interessa aqui é o envenenamento e água potável e quando o agente despeja substâncias toxicas nas águas, rios, poços, lagos, etc.

Finalizo com o celebre pensamento de Miguel Reale:

"A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre".
(Miguel Reale, Memórias, São Paulo: Saraiva, 1.987, v. 1, p. 297).


Referências:
Costanze, Bueno Advogados. (O CRIME DE INTRODUÇÃO OU ABANDONO DE ANIMAIS EM PROPRIEDADE ALHEIA). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 15.06.2009. Disponível em : http://(www.buenoecostanze.com.br)
Material de estudo CLEIDER RODRIGUES FERNANDES: Advogado
Lei nº 9.605 -12/02/98 - Lei Crimes Ambientais -publicada Diário Oficial da União em 13/02/98 Lei 4.771 -15/09/65
Código Florestal - Lei 5.197 - 03/01/67
Código Penal – Decreto-Lei n.º 2.848/40